A Leitura como Ato Therapêutico: Uma Justificativa Teórica e Multidisciplinar. A leitura, enquanto prática cultural e cognitiva, tem sido tradicionalmente vista como um processo de aquisição de conhecimento, uma atividade recreativa e, em algumas abordagens, um caminho para o desenvolvimento pessoal. No entanto, ao considerarmos a leitura como um Ato Therapêutico, abrimos novas possibilidades para entendê-la como uma ferramenta intrinsecamente ligada ao processo de cura e transformação pessoal, estabelecendo uma profunda conexão entre o sujeito e o texto. Esse processo pode ser justificado a partir de uma análise interdisciplinar que envolve a psicologia do tempo, a filosofia do tempo, e a teologia do tempo, cada uma contribuindo para um entendimento mais amplo da leitura como ato terapêutico.
1. Psicologia do Tempo e a Leitura como Ato Psicológico
Na psicologia contemporânea, o tempo é frequentemente concebido não como uma entidade objetiva e cronológica, mas como uma construção subjetiva que influencia e é influenciada pelos processos internos do indivíduo. A psicologia do tempo investiga como nossa percepção temporal molda nossas ações, emoções e, consequentemente, nossa saúde mental. A leitura, nesse contexto, oferece uma ruptura com a noção linear e objetiva do tempo, permitindo ao leitor uma experiência de “dilatação temporal”. Ao mergulhar em um texto, o indivíduo se desconecta, ainda que temporariamente, das urgências do presente, criando uma zona de suspensão onde o passado (memória), o presente (interpretação) e o futuro (expectativas) coexistem simultaneamente. Esse estado de suspensão temporal gera uma forma de “espaço terapêutico” onde questões emocionais e cognitivas podem ser processadas com maior clareza, promovendo a ressignificação de experiências e emoções.
Através da leitura, o sujeito pode confrontar-se com narrativas que ecoam suas próprias vivências, fornecendo modelos de resolução ou reinterpretando memórias dolorosas de modo seguro e distanciado. Este processo, amplamente reconhecido nas terapias narrativas, é o que a terapia biblioterapêutica explora, permitindo que o texto funcione como um espelho simbólico da experiência humana.
2. Filosofia do Tempo: A Leitura e o Sentido Existencial
A filosofia do tempo, especialmente nas suas vertentes existencialistas e fenomenológicas, enfatiza que o tempo não é uma mera sucessão de eventos, mas sim uma dimensão da existência humana em sua busca por sentido. Autores como Heidegger e Sartre argumentam que o tempo, enquanto horizonte de possibilidade, é uma constante referência para a compreensão de nossa finitude e de nosso projeto existencial. A leitura, ao se tornar um ato hermenêutico, possibilita o leitor a explorar questões existenciais fundamentais, como a liberdade, o sofrimento e a morte, de modo seguro e mediado.
O Ato Therapêutico da leitura emerge, assim, como um encontro com a temporalidade própria da existência humana, onde o sujeito pode, por meio da interpretação textual, reorganizar sua experiência de vida. O Ato Hermenêutico, que articula tempo, sentido e significado, permite que a leitura transcenda a decodificação simples de palavras para se tornar um movimento de autocompreensão. Aqui, a leitura é um processo de cura existencial, ajudando o sujeito a encontrar um sentido no caos da vida cotidiana, reinterpretando o tempo não apenas como cronológico, mas também como vivido e experienciado.
3. Teologia do Tempo: A Leitura como Ato Sacralizado
Dentro da teologia do tempo, o tempo é frequentemente compreendido como uma criação divina, carregada de propósito e significado. O tempo é visto não apenas como linear, mas também como cíclico e kairológico (momento oportuno ou “tempo de Deus”). A leitura, especialmente em contextos sacros, se torna um veículo para a comunhão com o divino. A tradição teológica cristã, por exemplo, reconhece a leitura de textos sagrados como uma prática espiritual e, portanto, terapêutica, na medida em que possibilita a abertura para o transcendente e para o contato com verdades eternas.
Ao ler com essa perspectiva teológica, o sujeito participa de uma hermenêutica do sagrado, onde o ato de ler se torna um ritual terapêutico, capaz de reordenar o caos interior através da reconciliação com o divino ou com uma ordem maior. Essa dimensão espiritual da leitura pode, muitas vezes, ser um caminho de cura profunda, onde o texto sagrado ou filosófico age como um mediador entre o ser humano e o sagrado, fornecendo cura espiritual e existencial.
4. Terapia dos Verbos Psicológicos e Leitura
Um aspecto crucial na compreensão da leitura como Ato Therapêutico se encontra na Teoria dos Verbos Psicológicos, que enfatiza o papel ativo do sujeito em processos como pensar, lembrar, querer e sentir. A leitura mobiliza esses verbos psicológicos, conduzindo o leitor a uma dinâmica ativa de reflexão e ação emocional. Ao pensar e refletir sobre o conteúdo lido, o sujeito é levado a explorar seu próprio universo interior, evocando memórias, desejos e sentimentos que estavam, até então, adormecidos ou reprimidos.
Esse processo de mobilização psicológica é, por si só, terapêutico, pois permite uma reorganização cognitiva e emocional. Ao acessar estados internos, a leitura oferece ao indivíduo a oportunidade de reestruturar seus processos psicológicos, promovendo um movimento terapêutico de autocompreensão e transformação.
5. A Leitura e a Gestão do Comportamento no Tempo
Finalmente, no contexto de gestão comportamental no tempo, a leitura possibilita ao sujeito uma ferramenta para redirecionar suas ações no mundo. A leitura, enquanto Ato Therapêutico, não só reorganiza a dimensão psicológica e existencial, mas também influencia o comportamento diário. A gestão do comportamento dentro do tempo sugere que, ao reorganizar nossas percepções de tempo e propósito por meio da leitura, somos capazes de nos mover de maneira mais consciente e intencional no mundo. A leitura, assim, transforma-se em uma ferramenta poderosa de autogestão, permitindo que o sujeito realinhe suas prioridades e ações de acordo com seus insights terapêuticos.
Conclusão
Portanto, a leitura não é apenas um ato de assimilação de informações, mas um Ato Therapêutico profundamente integrado à nossa psique, nossa experiência existencial e nossa espiritualidade. Através da psicologia do tempo, da filosofia do tempo e da teologia do tempo, a leitura revela-se como um processo de cura, de autocompreensão e de desenvolvimento pessoal, onde o sujeito, ao ler, também lê a si mesmo.
A Leitura como Ato Therapêutico